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Ciência | 10 de Janeiro de 2019
Identificação de nova mutação genética associada à deficiência intelectual

Estudo ajuda a entender os mecanismos envolvidos em transtornos do neurodesenvolvimento

A partir do momento em que uma proteína ou enzima relacionada a alguma doença é identificada como alvo terapêutico, o estudo de sua estrutura tridimensional – as posições de cada um dos seus átomos e suas interações – permite entender a fundo sua ação. Isso é possível não só para essas substâncias produzidas por microrganismos, como vírus ou bactérias, capazes de atacar nosso organismo. É possível também, por exemplo, entender moléculas normalmente produzidas pelo próprio corpo humano, mas que tiveram sua estrutura e função alteradas devido a alguma mutação genética.

Assim, em artigo recentemente publicado no periódico Nature Chemical Biology, Juliana F. de Oliveira, do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), e colaboradores documentam, pela primeira vez, o mecanismo de atuação de uma nova mutação genética no gene UBE2A identificada em pacientes com deficiência intelectual.

O gene UBE2A está localizado no cromossomo X e codifica a proteína de mesmo nome que participa do processo de “marcação” de proteínas defeituosas dentro da célula. Essa marcação é feita por meio da adição da proteína ubiquitina nas proteínas defeituosas, como se fosse uma etiqueta, e que a seguir, em condições normais, são enviadas para degradação.

A primeira descrição de mutação neste gene foi feita em 2006 e desde então a síndrome passou a ser chamada de deficiência intelectual “tipo Nascimento”, em homenagem à primeira autora do trabalho inicial, a brasileira Rafaella Nascimento.

A síndrome causada por mutações neste gene é pouco conhecida e, provavelmente, subnotificada. Ela apresenta quadro clínico com manifestações variáveis, incluindo deficiência intelectual, que pode variar de grau moderado a grave, comprometimento de fala, convulsões e alterações de face.

Neste estudo foram usados os dados obtidos a partir da análise do sequenciamento genético de uma família atendida no Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco (Instituto de Biociências da USP), com dois irmãos afetados por deficiência intelectual leve.

Entre as diversas análises feitas pelos pesquisadores, foi utilizada a linha de luz MX2 de cristalografia de proteínas do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) para investigar a estrutura da proteína. Assim, a equipe pôde desvendar como a mutação genética impacta na estrutura da proteína UBE2A e, consequentemente, altera a sua função.

Sobreposição da estrutura da proteína UBE2A do paciente (azul) com a proteína normal (cinza), evidencia semelhança entre elas. À direita está mostrado em detalhe o único aminoácido alterado na proteína do paciente devido à mutação genética.

O estudo mostra que a reação química necessária para a transferência da molécula de ubiquitina, durante o processo de etiquetagem de proteínas defeituosas, é prejudicada pela carga elétrica negativa inserida na proteína pela mutação.

Quando essa alteração no funcionamento celular acontece em neurônios, é provável que ocorram problemas que afetem o correto desenvolvimento do sistema nervoso durante a embriogênese assim como seu funcionamento, gerando sequelas como a deficiência intelectual.

A compreensão dos mecanismos de funcionamento das proteínas relacionadas aos transtornos do neurodesenvolvimento pode ser a chave para o desenvolvimento de possíveis novas terapias. E embora não seja possível reverter a deficiência intelectual dos irmãos que protagonizam essa pesquisa, o entendimento do mecanismo de funcionamento dessa proteína defeituosa representa um importante passo inicial para, no futuro, trazer melhorias para a qualidade de vida dos portadores de deficiência intelectual causada por mutações em vias relacionadas.

A pesquisa foi destaque no jornal Folha de S.Paulo e no portal Agência FAPESP.

Fonte: Juliana Ferreira de Oliveira, Paula Favoretti Vital do Prado, Silvia Souza da Costa, Mauricio Luis Sforça, Camila Canateli, Americo Tavares Ranzani, Mariana Maschietto, Paulo Sergio Lopes de Oliveira, Paulo A. Otto, Rachel E. Klevit, Ana Cristina Victorino Krepischi, Carla Rosenberg & Kleber Gomes Franchini, Mechanistic insights revealed by a UBE2A mutation linked to intellectual disability, Nature Chemical Biology, 15, 62–70 (2019). DOI: 10.1038/s41589-018-0177-2

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