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Ciência | 19 de Janeiro de 2016
Novas descobertas sobre o cabelo humano

Apesar de – quase – não sair da nossa cabeça, ainda há muito a se conhecer sobre a composição e estrutura do cabelo humano.

Cientistas descobrem no cabelo tipo de queratina própria de répteis e aves
Apesar de – quase – não sair da nossa cabeça, ainda há muito a se conhecer sobre a composição e estrutura do cabelo humano. Para além da pura curiosidade científica, esse conhecimento em detalhes permite, por exemplo, a pesquisa e desenvolvimento de produtos cosméticos mais eficientes para o tratamento e cuidado dos cabelos.

Um time internacional de cientistas, composto por Vesna Stanic, pesquisadora do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas (SP), com Jefferson Bettini e Fabiano Emmanuel Montoro, do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), e Aaron Stein e Kenneth Evans-Lutterodt, do Brookhaven National Laboratory, nos EUA, investigaram a estrutura do cabelo humano utilizando um feixe raios X extremamente focalizados produzidos na fonte de luz síncrotron do laboratório americano.

Os pesquisadores identificaram uma nova região intermediária do córtex capilar, logo abaixo da cutícula – parte mais exterior do cabelo humano. Ainda, verificaram a presença de beta-queratina na cutícula, proteína que está normalmente presente nas escamas de répteis e em penas de aves.

Cabelo

O cabelo é uma estrutura desordenada e heterogênea, composta de células queratinizadas, que cresce a partir de órgãos na pele chamados folículos. A queratina é uma proteína estrutural que confere proteção às células epiteliais, e que, em humanos, é componente não só do cabelo e pelos como também da pele, mucosas e unhas. Essas células se organizam de diferentes formas dependendo da região do fio que irão formar: medula, córtex ou cutícula.

A cutícula é a região mais exterior do fio, formada por camadas de folhas de células queratinizadas e que confere proteção às regiões interiores.

O córtex é a região intermediária do cabelo, formada pelo entrelaçamento de fibras de queratina de tamanho de alguns nanômetros (um milhão de vezes menor que um milímetro) em estruturas chamadas filamentos intermediários. Essas estruturas se organizam em macrofibrilas, empacotamentos densos e orientados ao longo do comprimento do cabelo, mas desordenados transversalmente. É o córtex que determina o quão ondulado ou liso é o cabelo e também é a região que abriga a melanina, a proteína que lhe confere cor.

Por fim, a medula é a região mais interior, mas que não está necessariamente presente em todo fio de cabelo.  Ela é formada por uma matriz de queratina parcialmente composta de filamentos intermediários, desordenados na posição e orientação espacial.

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Figura 1: Imagem em microscopia eletrônica mostrando distintas regiões de um fio de cabelo como a cutícula mais externamente e as macrofibrilas que compõem o cortex mais internamente. Apesar de útil para a vizualização de coisas muito pequenas, a microscopia eletrônica não é capaz de dar informações sobre sua estrutura interna e composição. Para isso, são necessárias técnicas mais avançadas como a difração de raios X.

Difração

O fio de cabelo humano tem diâmetro típico entre 60 e 140 micrômetros (um micrômetro é mil vezes menor que um milímetro) e uma das formas de se investigar sua estrutura é através de técnicas de espalhamento e difração de raios X.

Aspectos gerais da estrutura do cabelo podem ser observados com o emprego de feixes de raios X, como os disponíveis na atual fonte de luz síncrotron do LNLS, que é uma máquina de segunda geração. Para isso, é necessário reunir uma grande quantidade de fios e incidir os raios X perpendicularmente ao seu comprimento, de modo a obter resultados que representam a estrutura média dos fios.

No entanto, para se observar mais detalhes de um material desordenado e heterogêneo como o cabelo, é preciso utilizar feixes de raios X extremamente focalizados, de tamanho micrométrico ou submicrométrico, o que hoje só pode ser feito em síncrotrons a partir de terceira geração.

Assim, utilizando as dependências da linha de luz X13B da fonte de luz síncrotron National Synchrotron Light Source do Brookhaven National Laboratory, nos EUA, os pesquisadores prepararam um experimento em que o feixe de raios X submicrométricos produzidos pela fonte de luz incidissem num corte transversal (de apenas 30 micrômetros de espessura) de um único fio de cabelo, paralelamente a seu eixo.

Com seu experimento, os pesquisadores puderam analisar a estrutura do fio com precisão inédita e descobriram uma nova região do córtex capilar, na fronteira com a cutícula, formada pelo mesmo tipo de filamentos intermediários do córtex, mas orientados como as camadas da cutícula.

Ainda, os pesquisadores observaram a presença de um tipo de queratina na cutícula diferente do esperado. Essa proteína pode ser encontrada em duas diferentes estruturas secundárias (a forma como a proteína se dobra sobre si mesma). A alfa-queratina (organizada na forma de alfa-hélices) é normalmente encontrada em mamíferos, nos quais forma pelos, chifres e cascos. Já a beta queratina (organizada em folhas beta-pregueadas) é encontrada principalmente em répteis, nos quais forma escamas e garras, e aves, formando penas, bicos e garras.

Até então, supunha-se que todo o cabelo era composto de alfa-queratina. Após a análise completa dos dados experimentais, os pesquisadores verificaram que a cutícula não apresentava o sinal correspondente à alfa-queratina como presente no córtex, mas sim compatível com a presença da beta-queratina. Esta é a primeira evidência estrutural direta da presença desta proteína no cabelo humano.

Segundo os pesquisadores, os resultados obtidos indicam não só a necessidade de se reavaliar o que se sabe e o que se supõe sobre a estrutura das diferentes regiões do cabelo, como também reafirmam a importância do uso de técnicas de difração com feixes submicrométricos de raios X para o entendimento da estrutura de muitos outros materiais desordenados e heterogêneos como o cabelo.

LNLS, UVX e Sirius

A fonte de luz síncrotron UVX, atualmente em operação no LNLS, é capaz de produzir raios X para as técnicas de espalhamento e difração como usadas pelos pesquisadores. No entanto, por ser um síncrotron de segunda geração, o UVX não é capaz de produzir um feixe tão focalizado quanto seria necessário para a investigação de detalhes da estrutura do cabelo.

O LNLS está construindo o Sirius, uma das mais avançadas fontes de luz síncrotron do mundo e uma das primeiras consideradas de quarta geração. Sirius abrirá novas perspectivas de pesquisa em áreas como ciência dos materiais, nanotecnologia, biotecnologia, física, ciências ambientais e muitas outras.

Especificamente, uma das estações experimentais (linhas de luz) do Sirius, denominada SAPUCAIA, será capaz de produzir feixes micro- e nanométricos para experimentos de difração de raios X devido à ultrabaixa emitância da fonte Sirius. Por ser capaz de produzir feixes ainda menores que os de síncrotrons de terceira geração, Sirius poderá revelar muito mais detalhes da estrutura de materiais heterogêneos.

No caso do cabelo humano, ainda há muita especulação sobre a estrutura dos filamentos intermediários que compõem o córtex, já que cada filamento tem apenas sete nanômetros de tamanho. Cada filamento é composto de inúmeras cadeias de queratina e ainda não se sabe como elas se organizam. Segundo Stanic, “Isso acontece por ainda não termos a tecnologia necessária para investigá-los. Isso está mudando, nós estamos chegando lá, indo a escalas cada vez menores”.

“Dizia-se que não havia mais o que se fazer com o cabelo. Eu digo que isso não é mais verdade para nenhum material heterogêneo. Antes não tínhamos as ferramentas necessárias, mas os síncrotrons de terceira geração e o Sirius vão nos ajudar a descobrir uma ciência completamente nova”.

Fonte: V. Stanić, J. Bettini, F. E. Montoro, A. Stein e K. Evans-Lutterodt, Local structure of human hair spatially resolved by sub-micron X-ray beam, Scientific Reports 5:17347 (2015). doi:10.1038/srep17347

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