Cristal de perovskita CsPbBr3 (Créditos: Divulgação/CNPEM)
O estudo avaliou o uso de cristais de CsPbBr3 em detectores híbridos com circuito integrado desenvolvido no CERN
Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) investigaram o potencial das perovskitas à base de chumbo para desenvolver detectores mais eficientes de raios X de alta energia.
O estudo foi publicado na revista Scientific Reports, que integra o portfólio da Nature, e abordou um desafio crucial para fontes de luz síncrotron, como o Sirius: garantir a detecção eficiente de fótons de alta energia durante experimentos de imageamento avançado, incluindo técnicas como micro e nanotomografia de raios X.
O material analisado, um cristal de perovskita CsPbBr3, demonstrou alta compatibilidade eletrônica com o moderno chip Timepix4 do CERN, e mostrou-se promissor para a criação de detectores híbridos capazes de registrar raios X mais energéticos com maior eficiência.
Experimentos de imageamento com fótons de alta energia são essenciais para investigar a estrutura e o comportamento de materiais em escalas microscópicas ou nanoscópicas. Em uma fonte de luz síncrotron como o Sirius, essas técnicas permitem observar detalhes de amostras de maneira não-destrutiva, o que é muito importante para áreas como ciências do solo, desenvolvimento de novos fármacos, estudos de doenças negligenciadas, desenvolvimento de catalisadores ou de materiais avançados.
No entanto, detectar fótons com energia acima de 90 keV não é uma tarefa simples. Propriedades como densidade e a chamada “seção de choque” dos materiais semicondutores usados na fabricação de detectores tem um impacto direto na eficiência de absorção em faixas mais altas de energia. Isso limita a qualidade das imagens obtidas e, consequentemente, as análises que pesquisadores podem fazer a partir dos experimentos.
É neste cenário que entram as perovskitas à base de chumbo. O nome “perovskita” é usado para se referir a duas coisas: um mineral de cálcio e titânio representado pela fórmula química CaTiO3 e que ocorre em rochas metamórficas, e um grupo de compostos que apresentam uma estrutura cristalina semelhante a este mineral. No caso do estudo em questão, a perovskita à base de chumbo analisada é representada pela fórmula CsPbBr3 e possui propriedades bastante interessantes para esta aplicação.
Cristal de perovskita CsPbBr3 (Créditos: Divulgação/CNPEM)
Como explica Raul Campanelli, pesquisador do CNPEM e um dos autores do artigo: “A seção de choque é uma medida que determina a probabilidade de interação entre a radiação e a matéria. E a seção de choque das perovskitas para fótons de raios X é bastante grande. Isso significa que há uma alta probabilidade de detecção de um fóton chegando neste material, diferentemente do silício, por exemplo, que tem uma seção de choque e densidade baixas, tornando-o praticamente transparente em altas energias.”
O tipo de detector em que essa pesquisa se concentrou é conhecido como “detector de pixels híbridos”. Nele, um sensor de material semicondutor é conectado a um circuito integrado, que é responsável por processar o sinal elétrico gerado pela interação dos raios X com o material.
“O funcionamento geral de um detector dessa categoria consiste em um conjunto de fenômenos. O material semicondutor presente nestes detectores tem a função de absorver os fótons dos raios X incidentes em sua superfície e transformá-los em um pacote de cargas elétricas. Essas cargas elétricas são então aceleradas por um campo elétrico. E o transporte dessas cargas ao longo deste material semicondutor gera sinais em forma de pulsos de corrente em circuitos pixelados nessa superfície.”, destaca Raul.
Diferentemente dos chamados “detectores indiretos”, que transformam os raios X em luz visível com ajuda de um material cintilador antes de gerar as cargas elétricas no semicondutor, os detectores de pixels híbridos fazem a conversão direta: os fótons de raios X são absorvidos pelo sensor e geram cargas elétricas proporcionais à energia destes fótons. Essas cargas são subsequentemente coletadas por pequenos eletrodos e processadas por circuitos microeletrônicos integrados.
Para avaliar o desempenho desse material, os pesquisadores do CNPEM e da UNICAMP precisaram primeiro produzir cristais de alta qualidade. Isso porque a presença de defeitos na estrutura cristalina pode reduzir significativamente a mobilidade das cargas elétricas, prejudicando a eficiência do detector.
Gravação em timelapse do crescimento de cristais de perovskitas no LNLS (Imagem adaptada de Campanelli et al., Scientific Reports, 2025, https://doi.org/10.1038/s41598-024-74384-7)
A equipe utilizou um método de crescimento de cristais já descrito na literatura, conseguindo gerar cristais únicos de cor alaranjada e com bordas bem definidas. A qualidade estrutural foi confirmada por técnicas como difração de raios X e difração de Laue. Estes experimentos indicaram a monocristalinida dos materiais crescidos, evitando defeitos que pudessem prejudicar a propagação de cargas.
Conjunto de cristais de perovskita CsPbBr3 (Créditos: Divulgação/CNPEM)
Para entender como estes cristais se comportam na aplicação pretendida, os pesquisadores fabricaram dispositivos com diferentes tipos de contato elétrico e mediaram a mobilidade das cargas geradas pela interação com fótons de raios X. Os dados coletados demonstraram que, apesar do método relativamente simples de fabricação, as características observadas são compatíveis com cristais de alta qualidade.
O próximo passo da pesquisa foi simular como um detector feito com CsPbBr3 responde à interação com fótons de raios X de diferentes energias. Utilizando o resultado obtido nas medições anteriores, a equipe modelou o deslocamento das cagas elétricas no interior do cristal e os sinais de pulsos de corrente gerados em cada pixel.
Essas simulações mostraram que, para que o sinal seja devidamente coletado, é necessário aplicar campos elétricos mais intensos, na ordem de 1 kV/mm, algo já demonstrado para outras aplicações com este e outros materiais de alto número atômico.
Simulação do sinal em sensor de CsPbBr3<s/ub> (1 mm, eletrodo de 44 μm). (a) Corrente induzida por fótons de diferentes energias; detalhe: trajetórias de carga. (b) Tempo para coletar 90% da carga vs. energia (800–1200 V). (c) Tempo vs. tensão para fótons de 90 keV (Imagem adaptada de Campanelli et al., Scientific Reports, 2025, https://doi.org/10.1038/s41598-024-74384-7)
Os resultados obtidos através deste método foram usados em conjunto com um simulador eletrônico que reproduz o comportamento do Timepix4, a última versão do circuito eletrônico desenvolvido no CERN para aplicações como essa.
Os resultados indicam que o CsPbBr3 é um candidato viável para uso em detectores híbridos de pixels voltados à detecção de raios X de alta energia. Além de apresentar alta eficiência de absorção e boa mobilidade de carga, o material pode ser produzido por métodos relativamente simples e de baixo custo, o que facilita sua adoção em larga escala.
“O próximo passo neste processo é a hibridização, ou seja, juntar o material semicondutor fotossensível com o circuito integrado eletrônico pixelado. E, depois, fazer todo o conjunto de metalizações e soldas para que a gente consiga ter controle sobre o circuito integrado e assim coletar dados. Tudo isso faz parte do processo de fabricação de um protótipo de um detector híbrido com perovskita.”, destaca Raul Campanelli.
No contexto de um síncrotron como o Sirius, essa tecnologia pode ampliar as capacidades de experimentos que exigem feixes mais energéticos, como tomografias de amostras grandes ou densas, e técnicas que se beneficiam de maior penetração da radiação.
Além disso, o impacto se estende para áreas como a medicina, onde detectores mais sensíveis e precisos podem melhorar exames de imagem e tratamentos que utilizam radiação, e para a indústria, em processos de inspeção de qualidade e segurança.
O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) abriga um ambiente científico de fronteira, multiusuário e multidisciplinar, com ações em diferentes frentes do Sistema Nacional de CT&I. Organização Social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o CNPEM é impulsionado por pesquisas que impactam as áreas de saúde, energia, materiais renováveis e sustentabilidade. Responsável pelo Sirius, maior equipamento científico já construído no País. O CNPEM hoje desenvolve o projeto Orion, complexo laboratorial para pesquisas avançadas em patógenos. Equipes altamente especializadas em ciência e engenharia, infraestruturas sofisticadas abertas à comunidade científica, linhas estratégicas de investigação, projetos inovadores com o setor produtivo e formação de pesquisadores e estudantes compõem os pilares da atuação deste centro único no País, capaz de atuar como ponte entre conhecimento e inovação. As atividades de pesquisa e desenvolvimento do CNPEM são realizadas por seus Laboratórios Nacionais de: Luz Síncrotron (LNLS), Biociências (LNBio), Nanotecnologia (LNNano) e Biorrenováveis (LNBR), além de sua unidade de Tecnologia (DAT) e da Ilum Escola de Ciência, curso de bacharelado em Ciência e Tecnologia, com apoio do Ministério da Educação (MEC). http://cnpem.br/
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