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Network of interactions between metabolites
Ciência | 11 de Abril de 2023
Estudo revela como sutis interações moleculares regulam o metabolismo humano

Artigo publicado na revista Science aborda interações moleculares inesperadas que impactam o funcionamento celular e podem levar ao desenvolvimento de doenças

As células realizam uma série de reações bioquímicas interconectadas para obter energia, responder a infecçõese diferentes situações de stress. Essas reações compõem as chamadas vias metabólicas, que interagem em redes complexas e regulam processos celulares diversos. Compreender como essas redes se conectam e atuam na regulação de processos celulares é um desafio. Isso porque, frequentemente, as sinalizações dependem da interação entre proteínas e pequenas moléculas, conhecidas como metabólitos. No entanto, essas ligações moleculares possuem baixa afinidade e, por isso, são extremamente difíceis de serem identificadas. 

Pesquisadores do Brasil, Estados Unidos, China, Coréia do Sul, Inglaterra e Alemanha se uniram com o objetivo de entender como as interações entre proteínas e metabólitos (PMIs, da sigla em inglês) interferem nas vias do metabolismo de carboidratos. Os resultados acabam de ser publicados na prestigiada revista Science. Compõem o artigo de alto impacto, dados obtidos no Sirius, a fonte de luz síncrotron de última geração projetada e construída no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização social supervisionada pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). 

O artigo descreve os resultados de uma nova metodologia chamada MIDAS (Mass spectrometry Integrated with equilibrium Dialysis for the discovery of Allostery Systematically), proposta por pesquisadores da Universidade de Utah (EUA) e testada por grupos de diferentes países, para investigar as sutis interações entre proteínas e metabólitos que podem regular inúmeros processos celulares.  

Usando a MIDAS, os pesquisadores analisaram as interações de 33 enzimas do metabolismo humano de carboidratos com 401 metabólitos, identificando 830 interações moleculares PMIs. Embora o MIDAS tenha identificado PMIs com reguladores, substratos e produtos previamente conhecidos, a abordagem também permitiu aos autores descobrir muitos PMIs previamente desconhecidos de diversas vias metabólicas, incluindo mecanismos do metabolismo de gorduras e carboidratos em diferentes tecidos, que pode ser explorado terapeuticamente para bloquear a glicólise aeróbica em cânceres. 

Maria Cristina Nonato, Professora e Pesquisadora da Faculdade de Ciências Médicas da USP de Ribeirão Preto e uma das autoras do estudo, explica que os achados podem se desdobrar para diversas frentes: “Nosso grupo de pesquisa, por exemplo, tem especial interesse em entender como proteínas de parasitas e bactérias interagem com metabólitos humanos. Esse trabalho abre perspectivas muito interessantes para entendermos o papel de diferentes regiões das proteínas, não só seu sítio ativo ou sua principal atividade. Temos que considerar como as proteínas interagem com outras proteínas, com outros metabólitos, qual o papel regulatório dessas interações e etc. São muitas possibilidades sobre como as vias metabólicas conversam e se regulam, a gente precisa fazer muita ciência para entender”.  

Network of interactions between metabolites

Rede de interações entre os metabólitos (círculos ao redor da figura) e as 33 enzimas que integram o estudo. Doi: 10.1126/science.abm3452.

Sirius e os “cochichos” moleculares 

A pesquisadora compara as interações sutis entre as minúsculas estruturas a um metafórico esquema de comunicação a partir de “cochichos”. “É como se essas proteínas estivessem ‘cochichando’ e repassando informações entre elas. Compreender essa ‘conversa refinada’ pode nos revelar conhecimentos importantes sobre o comportamento geral das células”.   

Foi por meio de análises realizadas na linha de luz Manacá, do Sirius, que o grupo de Nonato obteve medidas em alta resolução da proteína humana Fumarato Hidratase (fumarase), que está envolvida em diversas vias metabólicas celulares, em particular no ciclo do ácido tricarboxilico,. A estrutura da fumarase foi determinada em complexo com o ácido 2-amino-3-fosfonopropionico e cuja interação não havia sido anteriormente descrita. Trata-se de uma macromolécula muito relevante em pesquisas que visam o desenvolvimento de medicamentos. Sabe-se que mutações dela estão associadas a diversos tipos de câncer. 

“Esse artigo interdisciplinar combina muitas técnicas e identificou centenas de interações moleculares, mas apenas em alguns casos tivemos a caracterização estrutural de como o ligante interage com a proteína, o que fizemos com a técnica de difração de raios-X no Sirius”. 

structure of the enzyme fumarate hydratase (FH) with ligands. Right: enlarged view of FH’s active site in interactions with ligands

À esquerda: estrutura da enzima Fumarato Hidratase (FH) com ligante. À direita, vista ampliada do sítio ativo da enzima FH em interação com ligantes. Doi: 10.1126/science.abm3452.

No Sirius, as medidas foram realizadas ainda no período em que a linha operava em condições de comissionamento científico, quando pesquisadores experientes testam os parâmetros da estação de pesquisa. “A Manacá é uma linha de luz que não perde para nenhuma outra do mundo e se destaca não só pela qualidade técnica, mas pelo apoio da equipe responsável por sua operação. Você pode utilizar a linha mesmo sem experiência e aprende muito com o time de suporte. Todos trabalham e torcem para que o experimento dê certo”, explica Nonato.  

Esta publicação na Science utilizando a linha de luz MANACÁ destaca o vigor da ciência brasileira e sua capacidade de superar fronteiras do conhecimento com instrumentos científicos de ponta como o Sirius, sinalizando um futuro promissor com os experimentos nessa e nas outras cinco linhas de luz em operação, bem como nas demais que serão inauguradas em breve, comenta Harry Westfahl Jr, Diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) do CNPEM.  

Próximos passos 

A biblioteca de metabólitos vem sendo ampliada e os estudos prosseguem com a perspectiva de caracterização de novas estruturas combinadas a moléculas ligantes.  Além de proteínas humanas, os pesquisadores também têm interesse em estudar outras proteínas de parasitas, bactérias e vírus que podem ser alvos potenciais para novos medicamentos. Eles querem entender como essas proteínas se relacionam com metabólitos humanos e se podem ser afetadas por eles. “A ideia é que a gente possa usar essa metodologia, essa estrutura e essa colaboração tão frutífera para poder aprofundar investigações em outras frentes”, revela a pesquisadora da USP Ribeirão Preto. 

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