Artigo de revisão foi capa na revista Chemical Reviews
Publicado originalmente pelo CINE (Center for Innovation on New Energies)
Um conjunto de pesquisas recentes está acelerando o desenvolvimento de células solares baseadas em materiais do grupo das perovskitas. Esses estudos monitoraram, em tempo real e de forma detalhada, as mudanças que acontecem em filmes de perovskita ao longo de processos que influem na degradação precoce desses materiais – um dos principais entraves para a comercialização dessa tecnologia fotovoltaica emergente.
As pesquisas, várias das quais foram realizadas no Brasil, mais precisamente no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS – CNPEM), na cidade de Campinas (SP), se baseiam no uso de técnicas de análise de materiais denominadas “in situ” e “operando”. Em linhas gerais, os experimentos in situ envolvem o estudo dos filmes de perovskita enquanto estão se formando, sem retirá-los do seu ambiente de síntese. Já os experimentos operando se referem ao estudo desses filmes dentro de uma célula solar em funcionamento. Ambos os tipos de técnicas fornecem informações valiosas para melhorar as propriedades das perovskitas e o desempenho das células solares.
Um artigo de revisão sobre esse assunto foi recentemente publicado, com destaque em capa, na Chemical Reviews, revista científica de altíssimo fator de impacto (72,087) editada pela ACS Publications. Assinado por uma equipe de pesquisadores da Unicamp, LNLS – CNPEM, CTI Renato Archer (instituições localizadas em Campinas) e University of Colorado (EUA), o artigo reporta os resultados conseguidos até o momento com o uso de diversas técnicas in situ e operando no estudo de perovskitas. Os autores mostram como esses avanços científicos aceleraram o desenvolvimento da tecnologia, possibilitando, inclusive, produzir filmes de perovskita a partir de técnicas de fabricação que podem ser levadas à escala industrial. Em cerca de três semanas desde a sua publicação online, o review, que tem 77 páginas e 418 referências, recebeu mais de 2.300 visualizações.
“Nesta área de pesquisa muito competitiva, o fato de termos sido uns dos primeiros grupos a utilizar técnicas in situ combinadas com luz síncrotron para estudar perovskitas foi importante para sermos hoje mundialmente reconhecidos, como atesta esta publicação na Chemical Review”, diz a professora Ana Flavia Nogueira (Unicamp), autora correspondente do review. A cientista, que trabalha na área de energia fotovoltaica desde o mestrado, fundou e coordena o Laboratório de Nanotecnologia e Energia Solar (LNES) da Unicamp e dirige o Centro de Inovação em Novas Energias (CINE), que reúne cerca de 300 pesquisadores com o objetivo de desenvolver tecnologias para a transição energética.
Desafios
As células solares de perovskita apresentam várias vantagens com relação às tecnologias baseadas em materiais de silício, que hoje dominam o mercado. Além de serem flexíveis e transparentes, elas podem ser fabricadas por meio de processos simples que envolvem baixo custo e baixo impacto ambiental. Reportada pela primeira vez em 2009, a tecnologia apresentava, no início, uma eficiência muito baixa, de cerca de 4%, na conversão da energia do Sol em eletricidade. Contudo, graças a avanços científicos realizados em diversos laboratórios do mundo, a eficiência aumentou rapidamente até ultrapassar 25%, alcançando o nível das células solares comerciais em 2021.
Superado o desafio da eficiência, ainda permanece o da degradação, tão importante quanto o primeiro. De fato, os filmes de perovskitas, que nas células solares cumprem a função de capturar fótons e transformá-los em cargas elétricas, são materiais de baixa estabilidade. Quando os filmes são expostos à umidade, à temperatura e à própria luz, a sua estrutura e composição sofre mudanças que impactam as propriedades do material e, portanto, o desempenho do dispositivo. Em outras palavras, os filmes se degradam e a vida útil das células solares se reduz. Dessa forma, torna-se impossível garantir a durabilidade de 20 ou 30 anos esperada para um painel solar.
Nos últimos anos, estudos científicos avançaram a passos largos a compreensão das causas da instabilidade e da degradação das perovskitas e propuseram algumas soluções efetivas para mitigar esses problemas. No Brasil, uma série de experimentos desse tipo foi realizada a partir de 2016, mediante a colaboração de uma equipe de pesquisadores da Unicamp e CTI Renato Archer, liderada pela professora Ana Flávia, com o grupo do pesquisador Helio Tolentino, do LNLS – CNPEM. O uso de radiação síncrotron é, de fato, essencial nesse tipo de estudo, pois só essa luz, extremamente brilhante e capaz de ser condensada em focos nanométricos, proporciona o nível de detalhe desejado. “Na época, as rotas de síntese de filmes de perovskitas ainda eram pouco conhecidas e nem sempre geravam materiais com boas propriedades”, contextualiza Tolentino. “Vimos aí um nicho importante onde poderíamos contribuir realizando experimentos in situ com a observação do processo de síntese em tempo real acompanhando todas as etapas das mudanças na estrutura atômica do material”, conta o pesquisador.
O primeiro trabalho brasileiro com essa abordagem foi a tese de doutorado de Rodrigo Szostak, que teve orientação dos professores Ana Flavia e Tolentino. Para realizar os experimentos, a equipe teve que desenvolver um sistema que reproduzisse todas as condições de síntese dos filmes de perovskita em uma linha de luz do LNLS, que naquele momento ainda trabalhava com a UVX (a fonte de luz de segunda geração inaugurada em 1997). “Vencer a complexidade de associar esse processo de síntese em uma linha de luz resultou em uma série de publicações em excelentes revistas e contribuiu para alavancar muitas outras questões relativas ao material”, conta Tolentino.
“A colaboração do nosso grupo com o LNLS continua agora com técnicas operando”, diz a professora Ana Flavia. “A gente vai colocar a célula solar na linha de luz e estudar o comportamento do filme de perovskita dentro do dispositivo em funcionamento”, completa. Esses novos trabalhos serão realizados com uma radiação ainda mais intensa e focada do que a utilizada com as técnicas in situ, pois o LNLS conta agora com o Sirius. O uso dessa fonte de radiação síncrotron de quarta geração promete resultados ainda mais detalhados, mas também traz novos problemas para resolver. “O brilho muito intenso da fonte traz desafios adicionais enormes”, afirma Tolentino. “Um exemplo é a alta dose de radiação que os materiais absorvem, o que requer um estudo específico antes de se tentar entender de fato o comportamento do material e do dispositivo em condições operando”, completa o pesquisador.
De acordo com o artigo de revisão publicado na Chemical Reviews, os resultados dos estudos in situ realizados até o momento permitiram desenvolver procedimentos que melhoraram a qualidade e as propriedades das perovskitas. As técnicas possibilitaram, inclusive, fazer ajustes em métodos de fabricação de filmes e células solares de perovskita que podem ser levados à escala industrial. Por sua vez, as técnicas operando permitiram explorar o desempenho e a degradação dessas células solares quando submetidas a diversas condições de operação, como alta umidade, temperatura ou luminosidade.
No final do review, os autores apontam alguns caminhos para os futuros estudos in situ e operando de filmes e células solares de perovskitas. De acordo com eles, é necessário ampliar o uso dessas técnicas e combiná-las com simulações computacionais até encontrar os materiais com as melhores composições e os dispositivos com as melhores arquiteturas para a geração de energia fotovoltaica. Além disso, o artigo sugere aos pesquisadores da área o desenvolvimento de métodos in situ que possam operar em condições ambientes para serem usados no controle de qualidade nas futuras fábricas de células solares de perovskita.
Os estudos realizados no Brasil contaram com financiamento das agências de fomento Fapesp e CNPq, e por meio do CINE, com financiamento da Fapesp e da Shell, bem como o suporte estratégico da ANP.
O artigo de revisão “In Situ and Operando Characterizations of Metal Halide Perovskite and Solar Cells: Insights from Lab-Sized Devices to Upscaling Processes” pode ser acessado em https://pubs.acs.org/doi/10.1021/acs.chemrev.2c00382.
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