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Ciência | 26 de Outubro de 2022
Pesquisadores do CNPEM investigam a origem da supercondutividade

Primeiro artigo científico publicado com dados obtidos na linha de luz EMA estudou a relação entre as propriedades supercondutoras de escuteruditas e a distância entre seus átomos

No Brasil, cerca de 7,5% da energia elétrica produzida é perdida na transmissão e distribuição. Isso acontece porque os materiais que compõem esses sistemas não são condutores elétricos perfeitos e dissipam parte da energia, por exemplo, na forma de calor. De forma semelhante, carros elétricos, mesmo sendo muito mais eficientes que a carros comuns movidos a combustão, ainda podem perder até 15% da energia durante o processo de carregamento das baterias.

Assim, os desafios para se alcançar um desenvolvimento sustentável passam não apenas pela disponibilidade de energia abundante, limpa e barata, mas também pelo desenvolvimento de novos sistemas de transporte e armazenamento eficientes e de baixo custo.

Por sua vez, esses novos sistemas exigem a investigação de novos materiais com propriedades especiais, como os materiais supercondutores. A supercondutividade é a propriedade que permite a certos materiais conduzirem corrente elétrica sem resistência e, portanto, sem perda de energia. Atualmente, no entanto, uma grande limitação para o uso de materiais supercondutores em larga escala é a necessidade de serem mantidos a temperaturas baixíssimas, muito próximas do zero absoluto (- 273.15°C), o que exige sua associação a grandes infraestruturas de resfriamento. Nessas condições, os supercondutores têm aplicações em máquinas de ressonância magnética e outros equipamentos médicos de alto desempenho, além da confecção de equipamentos para pesquisas científicas, como superimãs utilizados em aceleradores de partículas.

Embora a supercondutividade já seja conhecida há mais de um século, a origem desse fenômeno ainda é motivo de intenso debate na comunidade cientifica. Por que determinados materiais apresentarem a supercondutividade enquanto outros não? A partir da resposta à essa questão será possível construir materiais que sejam supercondutores mesmo em condições ambiente de temperatura e pressão, permitindo uma verdadeira revolução tecnológica, não só na transmissão e armazenamento de energia como também em todo tipo de equipamento elétrico do dia a dia.

O movimento dos elétrons sem resistência ao longo de um material supercondutor é entendido até o momento como sendo possível pela união de dois elétrons (chamados de pares de Cooper) que, com a ajuda de uma deformação da rede cristalina do material (chamada de fônon), são capazes de superar a repulsão coulombiana e passam a se mover como uma única partícula.

A pergunta para a qual ainda não há uma resposta satisfatória é: o que faz com que esses elétrons queiram se juntar em pares? Dentre as várias hipóteses, uma possibilidade é que esse fenômeno tenha a ver com a distância entre os átomos do material supercondutor.

Dessa forma, em pesquisa publicada no periódico Materials, pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), e colaboradores da Alemanha, investigaram dois materiais (LaPt4Ge12 and PrPt4Ge12) cuja estrutura cristalina é conhecida como escuterudita (skutterudite, em inglês) para testar a hipótese de que a supercondutividade teria relação com a distância entre seus átomos. Este foi o primeiro artigo científico publicado com dados obtidos na linha de luz EMA, da fonte de luz síncrotron Sirius do CNPEM.

A estrutura cristalina da escuterudita é capaz de incorporar diferentes metais, como Prata (Ag) e Níquel (Ni). Por isso, é possível se criar com certa facilidade diversos materiais com a mesma estrutura, mas variando os elementos químicos incorporados. Tal propriedade torna a escuterudita uma família interessante para o estudo de propriedades “incomuns” nos materiais. Uma vez que sua composição possa ser modificada de forma controlada, é possível buscar o real mecanismo que governa esta propriedade incomum. De fato, nesse tipo de composto são encontradas várias propriedades interessantes, como ordenamentos magnéticos, comportamento semicondutor e supercondutividade.

Assim, os pesquisadores utilizaram a escuterudita não só para entender sua supercondutividade, como também para testar a hipótese de que a supercondutividade teria relação com distância entre os átomos do material. Ao aplicar altíssimas pressões nos dois compostos, a fim de modificar essas distâncias de forma controlada, o grupo buscou entender se existe uma distância “ótima” para o aparecimento da supercondutividade.

Os resultados obtidos com o auxílio da linha de luz EMA permitiram ao grupo afirmar que, ao menos nestes dois compostos, a supercondutividade não tem relação direta com a distância entre os átomos e que a chave para supercondutividade deve estar a associada aos elétrons extras da camada f que o elemento químico Praseodímio (Pr) tem em relação ao Lantânio (La).

Linha de Luz EMA

A linha de luz EMA foi projetada para estudar materiais submetidos a temperaturas extremamente altas, acima de 8000°C, ou extremamente baixas, próximas do zero absoluto; ou também a pressões extremamente altas, equivalentes ao dobro da pressão no centro da Terra. Quando a matéria é submetida a essas condições extremas, ela pode apresentar novas propriedades físicas e químicas, passando, por exemplo, de condutor para isolante, de magnético para não magnético, e vice-versa, ou mesmo apresentar características que não existem em condições normais como é o caso dos materiais supercondutores.

Figura 1: Arranjo experimental multi-propósito da linha de luz EMA, onde os lasers verde e infravermelho são colocados colineares ao feixe de Síncrotron para experimentos in situ sob pressões e temperaturas extremas”

Tais condições só podem ser desvendadas por um feixe de raios X de alto brilho, como o produzido pelo Sirius, a partir da combinação de diversas técnicas, como difração, espectroscopia de absorção e espalhamento inelástico de raios X. Nessa linha será possível responder perguntas sobre a estrutura atômica dos materiais e como elas mudam de acordo com as condições de baixíssima temperatura ou altíssima pressão necessárias durante o processo de manufatura de um material supercondutor.

A linha de luz EMA começou a receber luz síncrotron de forma contínua em agosto de 2021 e desde então a equipe trabalha no comissionamento de todos os elementos que a compõe.

Como a linha de luz foi projetada para comportar diversas técnicas experimentais e ambientes de amostras, usuários externos são recebidos à medida que um tipo de experimento tem seu comissionamento concluído. Cerca de 25% do tempo da linha de luz tem sido disponibilizado para usuários, enquanto o restante é dedicado às atividades de comissionamento.

Até o momento, já foram atendidas 13 propostas de usuários externos, com usuários do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Maranhão, Ceará e Pará. A equipe de linha de luz trabalha para concluir o comissionamento da cabana experimental de microfoco da EMA até o fim de 2022, o que permitirá receber um número maior de usuários em 2023.

Sobre o Sirius

Projetado e construído por brasileiros e financiado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), o Sirius é uma das fontes de luz síncrotron mais avançadas do mundo. Este grande equipamento científico possui em seu núcleo um acelerador de elétrons de última geração, que gera um tipo de luz capaz de revelar a microestrutura de materiais orgânicos e inorgânicos. Essas análises são realizadas em estações de pesquisa, chamadas linhas de luz. O Sirius irá comportar diversas linhas de luz, otimizadas para experimentos diversos, e que funcionarão de forma independente entre si, permitindo que diversos grupos de pesquisadores trabalhem simultaneamente, em diferentes pesquisas nas mais diversas áreas, como saúde, energia, novos materiais, meio ambiente, dentre outras.

As diferentes técnicas experimentais disponíveis nas linhas de luz do Sirius permitirão observar aspectos microscópicos dos materiais, como os átomos e moléculas que os constituem, seus estados químicos e sua organização espacial, além de acompanhar a evolução no tempo de processos físicos, químicos e biológicos que ocorrem em frações de segundo. Em uma linha de luz é possível acompanhar também como essas características microscópicas são alteradas quando o material é submetido a diversas condições, como temperaturas elevadas, tensão mecânica, pressão, campos elétricos ou magnéticos, ambientes corrosivos, entre outras. Essa capacidade é uma das principais vantagens das fontes de luz síncrotron, quando comparadas a outras técnicas experimentais de alta resolução.

As linhas de luz do Sirius são instrumentos científicos avançados, projetados para solucionar problemas em áreas estratégicas para o desenvolvimento do País. Inicialmente, um conjunto de 14 linhas de luz foi planejado para cobrir uma grande variedade de programas científicos. Ao todo, Sirius poderá abrigar até 38 linhas de luz.

Sobre o CNPEM

Ambiente de pesquisa e desenvolvimento sofisticado e efervescente, único no País e presente em poucos polos científicos no mundo, o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) é uma organização social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). O CNPEM reúne equipes multitemáticas altamente especializadas, infraestruturas laboratoriais mundialmente competitivas e abertas à comunidade científica, linhas de pesquisa em áreas estratégicas, projetos inovadores em parcerias com o setor produtivo e ações de treinamento para pesquisadores e estudantes.

O Centro constitui um ambiente movido pela busca de soluções com impacto nas áreas de Saúde, Energia, Meio Ambiente, Novos Materiais, entre outras. As competências singulares e complementares presentes no CNPEM impulsionam pesquisas e desenvolvimentos inovadores nas áreas de luz síncrotron; engenharia de aceleradores; descoberta de novos medicamentos, inclusive a partir de espécies vegetais da biodiversidade brasileira; mecanismos moleculares envolvidos no início e progressão do câncer; doenças cardíacas e neurodesenvolvimento; nanopartículas funcionalizadas para combater bactérias, vírus, câncer; novos sensores e dispositivos nanoestruturados para os setores de petróleo e gás e saúde; soluções biotecnológicas para o desenvolvimento sustentável.

Fonte: Lombardi, G.A.; Mydeen, K.; Gumeniuk, R.; Leithe-Jasper, A.; Schnelle, W.; dos Reis, R.D.; Nicklas, M. Pressure Tuning of Superconductivity of LaPt4Ge12 and PrPt4Ge12 Single Crystals. Materials 2022, 15, 2743. DOI: 10.3390/ma15082743

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