fbpx
English
Ciência | 28 de Maio de 2020
Formas de vida de bilhões de anos atrás reveladas com raios X

Pesquisadores obtiveram detalhes sem precedentes da forma, composição e preservação desses microfósseis

Por décadas, os cientistas vêm usando fósseis de microorganismos para entender melhor a origem e evolução da vida na Terra, mas esse ramo da paleobiologia deu um grande salto com o desenvolvimento de novas técnicas de produção de imagem. Historicamente, o estudo dos primeiros vestígios de vida na Terra tem sido cercado por muita controvérsia e desafios técnicos. Às vezes é até difícil dizer se uma estrutura é realmente um fóssil ou… apenas um artefato.

Esses desafios estão relacionados às características desses microfósseis: têm apenas alguns micrômetros de tamanho (dez vezes menor que a espessura de um cabelo humano). Além disso, as rochas antigas sofreram algum grau de alteração geológica devido à pressão e temperatura exercidas pelas camadas de rocha acima delas. Portanto, os componentes originais dessas pequenas células foram “cozidos” a temperaturas superiores a 100°C, substituídos por minerais e prensados ​​por centenas de milhões a bilhões de anos, antes de acabar nas mãos dos cientistas.

O desafio é compartilhado com a astrobiologia na busca de vida em outros planetas, como Marte. As agências espaciais americana e europeia, NASA e ESA, estão planejando uma missão para trazer amostras desse planeta na próxima década para buscar de sinais de vida, entre outros objetivos. Uma questão principal é: se existem microrganismos fósseis nas rochas marcianas, como vamos identificá-los? Para nos prepararmos, precisamos desenvolver abordagens para identificar inequivocamente os primeiros vestígios de vida na Terra e entender as condições que lhes permitiram ser preservados por tanto tempo.

Por isso, pesquisadores do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), juntamente a cientistas da França e Suíça produziram as imagens 3D mais detalhadas já obtidas de vestígios de vida muito antigos na Terra. Os microfósseis estudados, da Formação Gunflint, no Canadá, têm aproximadamente 1,9 bilhão de anos e são restos preservados de microrganismos semelhantes às bactérias existentes hoje em dia, mas de um período em que apenas vida microscópica existia na Terra.

Usando a técnica de alta resolução chamada tomografia computadorizada pticográfica por raios X (ou, em inglês, ptychographic x-ray computed tomography), na fonte de luz síncrotron Swiss Light Source, do Paul Scherer Institute, Suiça, foram obtidos detalhes sem precedentes da forma, composição e preservação desses microfósseis.

Microfósseis da localidade de Mink Mountain por diferentes métodos de imagem. Da esquerda para a direita: microscopia óptica, microscopia eletrônica de varredura e tomografia computadorizada pticográfica por raios X.

Os pesquisadores foram capazes de reconstruir as células em 3D e ver como o tempo e os processos geológicos afetaram sua forma original de maneira distinta em duas partes diferentes da mesma formação geológica. Em uma localidade, chamada Mink Mountain, os fósseis já haviam sido descritos como estruturas revestidas com hematita, mas os pesquisadores identificaram massas de materiais carbonáceos maduros que não haviam sido observados por microscopia óptica. Além disso, em vez de hematita, foram encontrados associados aos fósseis cristais de maghemita, um de tipo óxido de ferro bem menos comuns, revelando um processo até então desconhecido envolvido na preservação dessas estruturas e totalmente diferente do observado na outra localidade da mesma formação geológica. Isso mostrou que, no nível das células e em contato com a matéria orgânica, os óxidos de ferro seguem um padrão de transformação diferente do resto da formação, o que aprimora nossa compreensão de como essas estruturas foram preservadas e como foram alteradas depois de permanecerem enterradas por bilhões de anos.

Este estudo também abre novas e empolgantes possibilidades para as controvérsias em torno dos mais antigos vestígios da vida já relatados. Atualmente, a tecnologia baseada em luz síncrotron está dando um novo passo com o início dos aceleradores de quarta geração, como o Sirius, no Brasil, e o Max IV na Suécia, além das máquinas de terceira geração que estão sendo atualizadas, como o ESRF (Grenoble, França) e o SLS na Suiça. Usando técnicas como esta, a ciência poderá revelar mais detalhes sobre os primeiros vestígios da vida na Terra ou mesmo em Marte, que nos ajudarão a responder a algumas das questões mais intrigantes da ciência: como a vida surgiu na Terra? E estamos sozinhos no universo?

Sirius

No Sirius, a estação experimental Carnaúba permitirá realizar experimentos usando tomografia de ultra-alta resolução, com grande potencial para o estudo de microfósseis. A técnica pode ser aplicada em vários tipos de materiais, incluindo células vivas, que poderão ter sua estrutura interna detalhada in vivo, permitindo, por exemplo, o desenvolvimento de fármacos mais eficientes. A área de ciência dos materiais também poderá dar um salto em qualidade, agora que será possível revelar a estrutura e composição de ligas metálicas, cerâmicas, e muitos outros compostos de interesse tecnológico. A técnica deverá possibilitar, ainda, o desenvolvimento de técnicas de exploração petróleo com muito mais eficiência, por meio da caracterização dos minúsculos poros das rochas onde o óleo fica aprisionado.

Fonte: Maldanis, L., Hickman-Lewis, K., Verezhak, M. et al. Nanoscale 3D quantitative imaging of 1.88 Ga Gunflint microfossils reveals novel insights into taphonomic and biogenic characters. Sci Rep 10, 8163 (2020). DOI: 10.1038/s41598-020-65176-w

MAIS Ciência

Pesquisa investiga novos materiais à base de nióbio para o aprimoramento do armazenamento de energia elétrica

Pesquisa contribui para o desenho de antibióticos e compostos anticâncer mais eficazes