A supercondutividade tem potencial para revolucionar a tecnologia, seja na transmissão de energia sem perdas, em motores elétricos mais eficientes e outras aplicações. Recentemente essas investigações ganharam um novo aliado: o Sirius
Imagine um futuro com baterias que não precisem de carregamento, carros elétricos a preços mais acessíveis, motores elétricos altamente eficientes e energia elétrica mais barata devido a facilidade em sua transmissão e armazenamento. Conquistar um conhecimento mais aprofundado sobre o fenômeno da supercondutividade é a chave para esta verdadeira revolução tecnológica, que teria impacto potencial em todo tipo de equipamento elétrico.
Isso porque a supercondutividade é a propriedade que permite a certos materiais conduzirem corrente elétrica sem resistência e, portanto, sem perda de energia. No Brasil, cerca de 7,5% da energia elétrica é perdida na transmissão e distribuição, já que os materiais desses sistemas dissipam parte da energia, por exemplo, na forma de calor. Também carros elétricos, mesmo sendo muito mais eficientes que a carros comuns movidos a combustão, ainda perdem até 15% da energia durante o carregamento das baterias.
Tendo em vista a importância deste campo, o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização supervisionada pelo Ministério de Ciência, Tecnologia de Inovações (MCTI), tem atuado ativamente para avançar na compreensão do fenômeno da supercondutividade. Uma das frentes de pesquisa nesta área busca desenvolver novas ferramentas para o estudo experimental do fenômeno físico da supercondutividade com o auxílio dos raios-X superpotentes gerados pelo Sirius.
Isso porque, embora os materiais supercondutores tenham sido descobertos em 1911 – e já sejam amplamente utilizados, como, por exemplo, em aparelhos de ressonância magnética e equipamentos científicos – a ciência ainda não compreende completamente a sua ocorrência. “Um entendimento geral acerca do fenômeno da supercondutividade é, possivelmente, a maior questão em aberto na área da Física da matéria condensada”, pondera Narcizo Marques Souza Neto, pesquisador e Chefe da Divisão de Matéria Condensada e Ciência dos Materiais do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS/CNPEM).
Outro desafio da área, em que o CNPEM tem atuado, é a busca por materiais supercondutores que operem a temperaturas cada vez mais próximas da temperatura ambiente. Isso porque atualmente, uma grande limitação para o uso de materiais supercondutores em larga escala é a necessidade de serem mantidos a temperaturas baixíssimas, muito próximas do zero absoluto (-273.15°C), o que exige sua associação a grandes infraestruturas de resfriamento. Assim, um material supercondutor capaz de operar em temperatura ambiente permitiria um custo extremamente baixo para todas as aplicações de eletricidade, já que não haveria perdas devido à resistência elétrica.
Temperatura ambiente
Em pesquisa recentemente publicada no periódico Frontiers in Eletronic Materials, a pesquisadora do CNPEM Audrey Grockowiak, junto a colaboradores da Alemanha e dos EUA, demonstraram a existência de um material que apresenta supercondutividade a temperaturas de cerca de 277°C (550 K) quando submetido a altas pressões, um importante marco para a busca de mais de um século de um material supercondutor capaz de operar fora de temperaturas criogênicas (extremamente frias).
Este material é composto de átomos de hidrogênio e lantânio, elemento da família das terras raras, porém bastante comum na crosta terrestre. De acordo com Audrey, “ao serem submetidos a altíssimas pressões – quase dois milhões de vezes a pressão atmosférica a nível do mar, ou o equivalente à metade da pressão no núcleo terrestre – esses elementos formam um composto com propriedades supercondutoras a uma temperatura bem acima da temperatura ambiente”.
Essas altíssimas pressões são alcançadas em um dispositivo especial que cabe na palma da mão, chamado de célula de bigorna de diamantes. Este equipamento permite “espremer” uma minúscula amostra de material, menor que uma fração da espessura de um fio de cabelo, entre dois diamantes, e assim submetê-lo a essas pressões comparáveis ao que é encontrado no núcleo do planeta Terra.
De acordo com a pesquisadora, ainda há um longo caminho a se percorrer até que este material tenha aplicações comerciais, especialmente devido a necessidade de mantê-lo sob altíssimas pressões. “Atualmente estamos na etapa de descoberta. Nosso próximo passo, que ainda pode levar muito tempo, é tentar reproduzir o que ocorreu no material sob altíssimas pressões (2 milhões de atmosferas) em condições ambientes (1 atmosfera, por exemplo), para descobrir formas de escalonar este material”, explica.
Originalmente, a pesquisa de Audrey Grockowiak foi realizada em fontes de luz síncrotron fora do Brasil: a Advanced Photon Source, nos EUA, PETRA III, na Alemanha, e ESRF, na França. Agora, a pesquisadora trabalha na equipe da linha de luz Ema, uma das estações de pesquisa da fonte de luz síncrotron Sirius, no CNPEM, e deverá realizar aqui os seus próximos experimentos.
Gordon and Betty Moore Community Grant
Recentemente, Audrey Grockowiak e pesquisadores parceiros receberam recursos da fundação norte-americana Gordon and Betty Moore Community para treinar uma nova geração de pesquisadores experimentais em materiais quânticos em técnicas de alta pressão, como forma de apoiar a descoberta de novos supercondutores de alta temperatura ricos em hidrogênio.
Seu objetivo principal é fortalecer os laços entre as comunidades de materiais quânticos e de alta pressão, por meio da organização de dois workshops. Um deles irá treinar cientistas em técnicas de alta pressão, e o outro buscará reunir pesquisadores de diversas origens para formar uma comunidade diversificada e preparada para entender melhor essa nova família de supercondutores. Além disso, cada pesquisador receberá subsídios para suas pesquisas na área de supercondutores em temperatura ambiente para fins de aplicação industrial.
Serrapilheira
Em 2018, o pesquisador Narcizo Marques Souza Neto foi um dos aprovados na 1ª chamada pública do Instituto Serrapilheira (instituição privada sem fins lucrativos voltada ao financiamento de projetos científicos), com o projeto “Um olhar com raios X em supercondutividade”. Desde então, pesquisa novas técnicas espectroscópicas para estudar materiais em condições extremas, em busca de materiais supercondutores em temperatura ambiente.
Empregando os raios X de alto brilho produzidos no Sirius, o grupo terá as melhores condições já desenvolvidas para a busca de novos materiais candidatos ao posto de supercondutores. “A ideia é usar as capacidades únicas de feixes de raios-X de alta intensidade em tamanhos nanométricos disponíveis na linha de luz Ema, do Sirius, para tentar entender microscopicamente o efeito de supercondutividade e observá-lo à temperatura ambiente”, explica Narcizo.
Em 2019, o grant do Instituto Serrapilheira foi renovado, com a aplicação de recursos para pesquisa e também para a integração e a formação de pessoas de grupos sub-representados na ciência.
Linha de Luz EMA
A linha de luz Ema (Extreme condition Methods of Analysis) é um dos recursos mais avançados para experimentos que buscam soluções para tecnologias que envolvem a supercondutividade. A estação de pesquisa foi projetada para estudar materiais submetidos a temperaturas extremamente altas, mais de 8000°C, ou extremamente baixas, próximas do zero absoluto; ou também a pressões extremamente altas, equivalentes ao dobro da pressão no centro da Terra.
“Quando a matéria é submetida a essas condições extremas, ela pode apresentar novas propriedades físicas e químicas, passando, por exemplo, de condutor para isolante, de magnético para não magnético, e vice-versa, ou mesmo apresentar características que não existem em condições normais, como é o caso dos materiais supercondutores”, explica Ricardo Reis, pesquisador do LNLS que coordena a linha Ema.
Tais condições só podem ser desvendadas por um feixe de raios X de alto brilho, como o produzido pelo Sirius, a partir da combinação de diversas técnicas, como difração, espectroscopia de absorção e espalhamento inelástico de raios X. Na linha Ema será possível responder perguntas sobre a estrutura atômica dos materiais e como elas mudam de acordo com as condições de baixíssima temperatura ou altíssima pressão necessárias durante o processo de manufatura de um material supercondutor.
No final de janeiro, foram realizados os primeiros experimentos bem-sucedidos na linha de luz Ema e, em breve, outras duas linhas de luz do Sirius permitirão investigações na área de supercondutividade. Uma delas é a linha Ipê (Inelastic scattering and PhotoElectron spectroscopy), que permite a caracterização da composição química, estrutura eletrônica e excitações elementares em diversos materiais, e atualmente está em fase de testes. E a outra é a linha de luz Sapê (Angle-resolved PhotoEmission), voltada à análise da estrutura eletrônica de materiais cristalinos, que está em fase avançada de montagem.
Pesquisadores do CNPEM/MCTI e colaboradores investigaram o confinamento de ondas longas de infravermelho em fitas nanométricas de óxido de estanho.
Equipamento aprimora a investigação de materiais para células a combustível, baterias e eletrolisadores, entre outros