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Célula utilizada para obtenção de altas pressões em sistema óptico para aquecimento a laser utilizado na síntese de super-hidretos

Ciência | 21 de Julho de 2023
Primeira pesquisa de doutorado concluída no Sirius aborda super-hidretos supercondutores

Pesquisa se voltou ao uso de células de bigorna de diamante (DAC) associadas à luz síncrotron para investigação de supercondutores em pressões extremas

Identificado pela primeira vez em 1911 pelo físico Heike Kamerlingh Onnes, o fenômeno da supercondutividade continua a ser um grande foco de pesquisa no campo da física da matéria condensada.

Ao resfriar mercúrio a uma temperatura abaixo de -268,95 °C usando hélio líquido, apenas 4,2 °C acima do zero absoluto, Onnes pôde observar algo inusitado: o desaparecimento da resistência elétrica do material. E como demonstrado mais tarde, em 1933, o fenômeno observado no mercúrio também vem acompanhado da expulsão do campo magnético do interior do material, algo conhecido como efeito Meissner. 

Isso evidenciou algo ainda mais profundo sobre a supercondutividade – não se tratava apenas de materiais com resistência elétrica nula em determinadas circunstâncias, mas sim de um novo estado da matéria. 

Inicialmente, imaginava-se que tais propriedades só poderiam aparecer em temperaturas muito baixas, na casa das dezenas de Kelvin. Mas, com o avanço das pesquisas, mostrou-se que a supercondutividade pode se manifestar em temperaturas maiores em certos compostos. E ainda mais altas caso determinados materiais sejam submetidos a altas pressões. 

Por exemplo, o sulfeto de hidrogênio, uma das substâncias responsáveis pelo odor característico de ovos estragados, exibe supercondutividade quando submetido a pressões acima dos 155 GPa e resfriado a temperaturas abaixo dos –70 °C, como demonstrado em um artigo publicado na Nature em 2015.  

Essa observação, junto com previsões teóricas sobre o fenômeno, trouxe um novo interesse pela busca pela supercondutividade de alta temperatura. E a classe das substâncias com alto teor de hidrogênio, os chamados super-hidretos, é atualmente a melhor candidata a receber o título de primeiro material conhecido a exibir supercondutividade em temperatura ambiente. 

O grande desafio associado ao estudo da supercondutividade em super-hidretos se dá na grande dificuldade em sintetizá-los. O decahidreto de lantânio (LaH10), por exemplo, que exibe supercondutividade de alta temperatura, pode ser sintetizado a partir de lantânio metálico na presença de uma fonte de hidrogênio e sob aquecimento a altíssimas pressões (170 GPa). 

Atingir as pressões necessárias para sintetizá-los e mantê-los estáveis e para que a supercondutividade de super-hidretos seja observada, como os 155 GPa no caso do sulfeto de hidrogênio ou os 170 GPa no caso do decahidreto de lantânio, é um grande desafio de instrumentação. 

São pressões cerca de um milhão de vezes maiores que a pressão atmosférica ao nível do mar. Para comparação, o núcleo de nosso planeta encontra-se a uma pressão de cerca de 330 GPa, comparável com as pressões nesses experimentos! Os dispositivos usados para se atingir condições tão extremas são as chamadas células de bigorna de diamante, ou DACs (do inglês, diamond anvil cell). 

O princípio por trás do funcionamento das DACs é bastante simples. Como pressão se trata de uma quantidade de força aplicada em uma determinada área, para se atingir pressões tão altas podemos aplicar uma quantidade moderada de força em uma área bastante diminuta – no caso, usando dois diamantes pressionados um contra o outro. 

“Diamantes são boas opções para esse tipo de aplicação não apenas por serem muito resistentes, mas também por serem bastante transparentes a uma grande faixa do espectro eletromagnético. Isso permite que as DACs sejam usadas em estações de pesquisa de fontes de luz síncrotron, por exemplo.”, comenta Lucas Francisco, agora doutor em Física Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas.

Ilustração do funcionamento de uma célula de bigorna de diamante (DAC) – Fonte: Francisco, Lucas Henrique. “Técnicas de raios X aplicadas ao estudo de supercondutores em pressões extremas”. Tese, Universidade Estadual de Campinas, 2023.

O diâmetro da ponta do diamante usado em uma DAC, região chamada de “culet“, influencia diretamente na pressão atingida pelo instrumento. Em geral, culets menores geram pressões maiores. 

Durante sua operação, os culets dos diamantes em uma DAC pressionam um pequeno disco, geralmente feito de material metálico. O disco, chamado de “gasket”, contém um pequeno orifício onde a amostra pode ser inserida e que funciona como uma câmara de compressão. 

Esse orifício, feito através de um processo de eletroerosão ou perfuração a laser, tem um diâmetro bastante reduzido, de centenas ou até dezena de micrômetros. E para cumprir seu objetivo e transferir a carga aplicada pela DAC para a amostra, é preciso adicionar um meio transmissor de pressão hidrostática. Entre os mais comuns estão o óleo de silicone, a mistura etanol-metanol e gases como nitrogênio, argônio, neônio e hélio. 

“Em muitos casos, o meio transmissor serve apenas para que a amostra seja submetida hidrostaticamente às altas pressões almejadas. Mas, em outros casos, esse meio também pode fazer parte do processo de síntese do composto estudado. O estudo de super-hidretos, por exemplo, envolve o uso de compostos ricos em hidrogênio como meios transmissores. Ou seja, além de cumprirem essa função, eles também se tornam um reagente dentro da DAC para que o composto final seja produzido lá dentro, a alta pressão.”, complementa o pesquisador. 

Como a luz síncrotron pode ser usada no campo da supercondutividade? 

Por conta de sua estabilidade apenas em regimes específicos de pressão, o estudo e caracterização de super-hidretos que exibem supercondutividade deve ser feito in situ, ou seja, dentro da própria célula de bigorna de diamante onde são sintetizados. 

– “A luz síncrotron pode ser usada incidindo-a no material dentro da DAC, o que permite a coleta, por exemplo, de medidas de absorção e difração de raios X a fim de se obter dados sobre propriedades eletrônicas e estruturais dos materiais, ou seja, sobre como seus átomos interagem e como estão arranjados.”, comenta o pesquisador. 

A pesquisa de doutorado desenvolvida por Lucas foi iniciada nas instalações do UVX, a antiga fonte de luz síncrotron do LNLS. Seus objetivos, entretanto, exigiam capacidades que iam além das disponíveis na época. Com a inauguração do Sirius, o trabalho de comissionamento de instalações experimentais foi parte integral do processo de pesquisa do agora Doutor em Física Aplicada.

Lucas (quinto da direita para a esquerda) junto a integrantes do grupo de condições extremas do LNLS durante mudança do UVX para o Sirius, em 2019.

Usando uma DAC com culets de apenas 100 μm e um gasket com furo de cerca de 50 μm (1/20 de mm), o pesquisador foi capaz de alcançar pressões acima de 100 GPa em suas medidas realizadas na linha de luz EMA, estação experimental do Sirius especializada na execução de experimentos em condições extremas de pressão e temperatura. 

Como ressalta Lucas em sua tese, “[…] Além do ganho em fluxo de fótons no Sirius, a dimensão de micrômetros do feixe do Sirius representa um ganho notável em relação à linha de condições extremas do antigo acelerador síncrotron do LNLS, o UVX, que possuía largura mínima de feixe da ordem de ~100 μm. A concentração de radiação em uma área menor é especialmente importante para experimentos em pressões extremas, pois viabiliza a utilização de células com diamantes de culets menores, alcançando maiores pressões, visto que os diâmetros de culet devem ser da mesma ordem ou maiores do que o diâmetro de feixe utilizado no experimento.” 

A pressão de 127 GPa foi alcançada pelo pesquisador junto à equipe do Sirius durante o trabalho de investigação de fases supercondutoras em super-hidretos de Cério, que usou borano de amônia (NH3BH3) como meio de pressão e fonte de hidrogênio. Naquele momento, essa foi a pressão mais alta já alcançada nas instalações do CNPEM.

Lucas, assim como as centenas de pesquisadores externos que já estão usando as instalações de ponta do Sirius, viu de perto as enormes vantagens que um síncrotron de 4ª geração pode trazer para a ciência brasileira. Pesquisas que envolvem medidas de informações e dados difíceis ou até impossíveis de serem obtidos com síncrotrons mais antigos se tornam viáveis com o desenvolvimento desses novos aceleradores. Além de Lucas Francisco, o Sirius fará parte integral da formação e trabalho de muitos outros cientistas brasileiros no curto, médio e longo prazo. 

O doutorado desenvolvido por Lucas Henrique Francisco sob orientação de Narcizo Souza, chefe da Divisão de Matéria Condensada do CNPEM, contou com o apoio da FAPESP, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (proc. n° 2018/10585-0), e do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil (n° 140567/2018-6), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.

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