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Ciência | 26 de Abril de 2023
Tomografia de raios X aliada à inteligência artificial abre novas fronteiras no estudo de materiais

Artigo de revisão foi destaque na revista Applied Physics Reviews e detalha como a micro e nanotomografia computadorizada pode ser usada em síncrotrons de quarta geração como o Sirius.

Fontes de luz síncrotron de quarta geração como o Sirius elevam as capacidades da micro e nanotomografia de raios X a novos patamares. O artigo de revisão escrito por uma equipe de pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e da Universidade Federal do ABC e publicado na revista científica Applied Physics Reviews detalha uma visão recente da tomografia computadorizada de raios X com relação a luz síncrotron e inteligência artificial.

A tomografia computadorizada de raios X é um recurso conhecido na medicina desde os anos 70. A capacidade de produzir imagens tridimensionais que detalham de forma não invasiva as diversas estruturas do corpo humano é um instrumento muito valioso para diagnóstico. E não demorou muito para essa técnica ser empregada em outras áreas da ciência.

A resolução milimétrica disponível em equipamentos de tomografia médica foi levada para a escala dos micrômetros já no início dos anos 80 e usada para estudar estruturas biológicas, permitindo análises morfométricas quantitativas. E o surgimento de fontes de luz síncrotron ainda na mesma década e a consequente possibilidade de se usar raios X monocromáticos de alto brilho continuou a aumentar a resolução das imagens obtidas com essas técnicas.

No início dos anos 2000, a microtomografia computadorizada (μCT) começou a ser aplicada em estudos envolvendo plantas, animais, solo e materiais sintéticos baseados em carbono, permitindo avanços notáveis na compreensão de diversos fenômenos e sistemas. No entanto, as restrições das capacidades das fontes convencionais de raios X limitavam a resolução espacial das imagens captadas e elevavam significativamente o tempo de coleta de dados.

A entrada em operação de fontes de luz síncrotron de quarta geração como o Sirius, abriu novas possibilidades de pesquisa em diversas áreas. O aumento do brilho em relação às máquinas de terceira geração foi de duas ordens de magnitude. Isso, junto à alta coerência do feixe gerado, permite o uso de técnicas de captação de imagens micro e nanotomográficas muito mais adequadas ao estudo de materiais baseados em carbono.

O alto fluxo de fótons permite ainda que tais análises sejam feitas resolvidas no tempo. Ou seja, a captação de imagens pode ser rápido o suficiente para que seja possível acompanhar mudanças na estrutura das amostras ao longo do tempo, viabilizando análises in situ, in vivo e in operando.

As aplicações da micro e nanotomografia computadorizada de raios X 

Como detalhado pelo artigo brasileiro, as aplicações dessas técnicas em pesquisas que envolvam plantas abrangem uma infinidade de campos de estudo. Pesquisadores podem investigar fenômenos de transporte como a permeabilidade de líquidos em diferentes tecidos, características de grãos e frutas que determinam a qualidade da comida, processos de modificação química, aplicação de adesivos e degradação de madeira, e transformação da biomassa para produção de novos produtos químicos e biocombustíveis líquidos.

Quando nos deparamos com estes exemplos de aplicações, a capacidade multidisciplinar que essas técnicas de análise possuem fica aparente. Mesmo que estejamos falando apenas de pesquisas que abranjam matéria orgânica, as aplicações se estendem desde a pesquisa básica no campo da biologia até processos industriais de fabricação de materiais e geração de energia.

Mas a tomografia de raios X vai além. Por ser um método de análise não-destrutivo, ela é ideal para aplicações em pesquisas no campo da agricultura e do meio ambiente. Amostras de solo podem ser analisadas para classificação de acordo com o tamanho, estado de agregação, porosidade e mineralogia da parte sólida, o que se relaciona diretamente com muitos processos diferentes de transporte de água, nutrientes e contaminantes. Da mesma forma, a interface entre o solo e as plantas também pode ser estudada a fim de se entender como se dá seu crescimento e regulação da absorção de água e nutrientes.

Pesquisas que envolvam tecidos animais também fazem bom proveito dessas técnicas. As imagens são de grande auxílio no entendimento de processos de desenvolvimento de tecidos, funcionalidade, lesões, fraturas e até progressão de doenças.

A micro e nanotomografia de materiais sintéticos baseados em carbono – um dos principais focos do artigo da equipe brasileira e também tema de pesquisa da área de materiais renováveis do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) – auxilia no estudo de suas estruturas 3D e sua correlação com os parâmetros de fabricação utilizados. E a análise resolvida no tempo permite a caracterização do material in situ, ou seja, é possível observar as transformações e comportamento de amostras quando submetidas a estresses externos e fluídos.

Como aponta Rubia Figueredo Gouveia, pesquisadora e idealizadora do artigo publicado, “essas técnicas permitem uma análise não apenas qualitativa, mas também quantitativa desses materiais, que chamamos de morfometria.  Conseguimos calcular parâmetros como tamanho de poros, porosidade total, distribuição de partículas em diferentes fases e espessura de paredes sólidas ao redor de poros, por exemplo.”

Os desafios computacionais associados à micro e nanotomografia de raios X

Apesar de tudo isso, os diversos benefícios trazidos pelos síncrotrons de quarta geração não vêm livres de contratempos. A maior resolução temporal e espacial obtida nas imagens tomográficas se traduz em uma grande quantidade de dados gerados e dificuldades extras no processamento e análise quantitativa dessas imagens.

Se antes o fator limitante e grande desafio para o trabalho de pesquisadores girava em torno da escala mínima alcançada, hoje ele se encontra no campo da computação. Como ressalta Pedro Ivo Cunha Claro, autor do artigo brasileiro – “O que pode limitar síncrotrons de quarta geração são os computadores. Você precisa de instalações computacionais poderosas para processar esses dados. Hoje em dia, a luz síncrotron gera tantos dados, que é computacionalmente desafiador processá-los. Nós estamos aplicando a inteligência artificial como estratégia para abordar esse problema.”.

Modelos de aprendizado de máquina supervisionados e não-supervisionados podem ajudar a realizar a segmentação e análise quantitativa de imagens tomográficas com altas resoluções. Como apresentado no artigo, redes neurais convolucionais são ideais para lidar com grandes volumes de dados relacionados a problemas de computação visual. Mas desenvolver estes modelos são grandes desafios por si só – além de contarem com milhões de parâmetros e exigirem expertise em áreas como inteligência artificial e visão computacional, sua aplicação pode se restringir a domínios de problemas específicos devido à problemas de generalização das técnicas atuais.

Além disso, há uma grande dificuldade em validar tais modelos– “Determinar a acurácia do resultado da segmentação de imagens com resoluções nanométricas é um grande desafio. Como estamos em uma escala de resolução nunca antes alcançada, a etapa de geração de imagens de referência, que geralmente são feitas por especialista, pode ser extremamente complexo e em muitos casos um fator limitante para determinarmos com exatidão a precisão de um modelo aprendido por uma técnica de aprendizado de máquina.”, como destaca Allan da Silva Pinto, coautor do artigo e coordenador do grupo de Gestão e Ciência de Dados do LNLS.

A infraestrutura computacional do Sirius já conta com equipamentos capazes de ajudar pesquisadores a gerenciar e processar essa grande quantidade de dados, que são uma questão importante não apenas para a linha MOGNO, dedicada à micro e nanotomografia de raios X, mas também outras linhas de luz. O TEPUI, a Unidade de Processamento de Alto Desempenho (do inglês, Throughput Enhanced Processing Unit), serve a comunidade de usuários do Sirius e é uma ferramenta bastante importante no processo de pesquisa.

Segundo Nathaly Archilha, coordenadora da linha de luz MOGNO, o Sirius já conta com 4 petabytes de armazenamento. E o real desafio de lidar com tantos dados é o pós-processamento em análises quantitativas. – “Nós precisamos criar essas ferramentas. E nós precisamos de pesquisadores internos usando essas ferramentas para que elas evoluam rapidamente e possamos oferecer estas soluções para os nossos usuários.”

O artigo de revisão brasileiro destaca não apenas o gigante potencial que as fontes de luz síncrotron de quarta geração trazem para a micro e nanotomografia de raios X, mas também a necessidade de uma união multidisciplinar de forças para que este potencial seja aproveitado ao máximo.

– “Já há trabalhos muito avançados sobre deep learning voltados para o processamento e análise de imagens, assim como outros voltados para a micro e nanotomografia de raios X. Mas não se vê essas duas áreas conversando de uma forma completa, e o nosso trabalho é exatamente sobre isso. Esse artigo será uma boa base tanto para usuários iniciais, quanto para aqueles já com conhecimento avançado em tomografia.”, complementa Rubia Figueredo Gouveia.

O artigo publicado pela revista Applied Physics Reviews contou com a contribuição de nove pesquisadores: Pedro Claro, Egon Borges, Gabriel Schleder, Nathaly Archilha, Allan Pinto, Murilo Carvalho, Carlos Driemeier, Adalberto Fazzio e Rubia Gouveia que fazem parte dos laboratórios nacionais do CNPEM, sendo fruto do projeto FAPESP 2020/08651-4.

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