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Atualizações do Sirius | 11 de Fevereiro de 2022
Comissionamento da Estação TARUMÃ: Técnicas Experimentais

Estação da linha de luz CARNAÚBA possui detectores para as técnicas simultâneas de fluorescência de raios X, difração de raios X, luminescência ótica excitada por raios X e pticografia de raios X, e está operando, durante a fase de comissionamento, de 6.4 keV até 14 keV

CARNAÚBA é a linha de luz mais longa do Sirius, a nova fonte de luz síncrotron do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização social vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Devido aos quase 145 metros de distância entre a fonte de luz e o ambiente de amostra, é possível produzir uma alta demagnificação óptica e atingir resoluções espaciais na ordem dos nanômetros.

A linha de luz possui duas estações experimentais: TARUMÃ, com tamanho de feixe submicrométrico e ambiente de amostras variável; e SAPOTI, cujo tamanho de feixe chega a 30 nm e o ambiente de amostras é criogênico e de ultra-alto vácuo.

A Linha de Luz CARNAÚBA cobre a faixa de energia de 2,05 a 15 keV e contemplará múltiplas técnicas de caracterização baseadas em absorção, espalhamento e emissão de raios X, permitindo o estudo de uma variedade grande de materiais, especialmente materiais de composição híbrida – orgânicos e inorgânicos – e biológicos.

TARUMÃ

Atualmente, a equipe da linha de luz se dedica ao comissionamento científico da estação de pesquisa TARUMÃ, fase que tem como objetivo testar diferentes casos científicos, certificar a qualidade dos desenvolvimentos técnicos, e ao mesmo tempo desenvolver rotinas e estratégias experimentais.

Figura 1. Estação TARUMÃ montada para os primeiros experimentos da CARNAÚBA em dezembro 2021.

A estação, mostrada na Figura 1, possui detectores para as técnicas simultâneas de fluorescência de raios X, difração de raios X, luminescência ótica excitada por raios X e pticografia de raios X, bem como espectrômetro para luminescência e microscópicos ópticos para alinhamento de amostras. A estação conta também com uma montagem criogênica, fundamental para o comissionamento científico em amostras sensíveis a danos de radiação. Devido às limitações do ondulador atualmente instalado na linha, o comissionamento da estação está sendo feito na faixa de energia de excitação acima de 6.4 keV até 14 keV. As mais baixas energia de emissão de fluorescência alcançáveis no momento são em torno de 2.0 keV.

Combinação de fluorescência e pticografia de raios X – resolução espacial

A Figura 2 mostra o resultado de dois tipos de medidas: a primeira, à direita, é obtida medindo a linha de emissão do ouro (Au) com os detectores de fluorescência; a segunda, é fruto de uma medida em transmissão utilizando o detector PiMega e posterior reconstrução da imagem utilizando algoritmos de obtenção da fase da onda. Essa última técnica explora a coerência espacial do feixe e é conhecida como pticografia.

Enquanto a resolução da imagem por fluorescência é limitada pelo tamanho do feixe no foco, neste caso cerca de 120 nm x 250 nm, a resolução da imagem na pticografia de raios X pode ser ampliada explorando o efeito de coerência do feixe de luz síncrotron do Sirius. A imagem da esquerda mostra uma resolução da ordem de 20 nm obtida por reconstrução pticográfica da fase da onda se propagando até o detector 2D PiMega.

Essas imagens com essa resolução espacial representam um importante passo no comissionamento da estação experimental, permitindo certificar: (i) a funcionalidade simultânea dos detectores de fluorescência e de imagem; (ii) os algoritmos de reconstrução das imagens por pticografia de raios X; (iii) a qualidade da focalização e da resolução espacial do feixe; (iv) o procedimento de varredura rápida flyscan; e (v) a estabilidade no posicionamento entre a nanosonda de raios X e a amostra, que deve ser no nível da resolução obtida por pticografia.

Figura 2. Imagem de varredura do padrão de estrela (padrão ANT) na linha CARNAÚBA, medindo simultaneamente fluorescência e pticografia. Imagem obtida no modo “pink beam” com feixe focalizado em 120 x 250 nm2 (VxH) a partir da fluorescencia do Au (direita) e por reconstrução pticográfica (phase) com pixel de 18 nm e resolução estimada de 20 nm por FRC.

Mapeamento bidimensional por fluorescência de raios X em solos, raízes e sementes

Nesse estágio de comissionamento, embora o feixe ainda esteja ligeiramente maior do que o esperado nominalmente, já é possível obter mapeamento químico de amostras complexas, como o exemplo de raízes no solo mostrado na Figura 3. É possível observar na microscopia óptica, à esquerda, uma raiz contendo grãos de solo à sua volta em algumas regiões. Utilizando essa imagem com um campo de visão maior como referência, centralizou-se a região indicada pelo quadrado amarelo na nanosonda de raios X e foi feito um mapeamento elementar por fluorescência de raios X, com um campo de visão de 100 µm x 100 µm e passo de 1 µm. Esse resultado é mostrado na imagem central. A imagem da direita apresenta os espectros de fluorescência em três regiões distintas na amostra, e a parte inferior apresenta as diferentes correlações entre os elementos químicos mais relevantes.

Figura 3. Imagem de fluorescência de uma amostra de raiz e solo obtida na linha CARNAÚBA, com correlações de posição entre diferentes elementos químicos.

As condições instrumentais da linha já permitem realizar experimentos de varredura bidimensionais (2D) e obter imagens por contraste de atenuação e de fluorescência, bem como escolher regiões de interesse nas amostras para medidas de espectroscopia de absorção de raios X. Um exemplo de mapeamento 2D por fluorescência, observando-se a distribuição dos micronutrientes zinco (Zn) e selênio (Se) em uma castanha do Pará é mostrado na Figura 4. Acima à esquerda é apresentada a imagem óptica numa de região de alguns milímetros quadrados e abaixo a imagem de fluorescência de 80 µm x 80 µm com passo de 800 nm. Acima à direita é apresentado o espectro de fluorescência integrado, onde tanto o Zn como o Se estão destacados. A especiação química do elemento Selênio, para a identificação de seu estado de oxidação, foi feita por varredura em energia do monocromador, mantendo a posição do feixe numa posição fixa da amostra. A resolução submicrométrica desse estudo foi feita com o feixe focalizado em 120 nm x 500 nm. Observa-se claramente a presença de selênio orgânico no estado de oxidação -2. Essa determinação foi feita por comparação com amostras padrões conhecidas.

Figura 4. Imagem de fluorescência e especiação química de uma amostra de castanha do Pará obtida na linha CARNAÚBA. A imagem 2D de fluorescência foi feita observando-se os micronutrientes Zn e Se, suas distribuições e correlações. A especiação química foi feita na borda de absorção de raios X do elemento Se, indicando que sua forma química mais provável seja orgânico.

Tomografia com contraste simultâneo de atenuação e de fluorescência

O primeiro experimento para o comissionamento da técnica de tomografia na linha CARNAÚBA foi realizado em uma amostra de diamante profundo. Diamantes profundos são como cápsulas do tempo, que trazem à superfície da Terra a história de sua formação. Eles aprisionam inclusões minerais, de composição variada, que através de sua composição química e estrutura trazem informações sobre muitos processos geoquímicos e geofísicos que não poderiam ser estudados de outra maneira.

Os diamantes estudados na linha CARNAÚBA, que vieram de uma colaboração com a Universidade Federal de Goiás e Universidade de Brasília, são originários da região de Juína no Mato Grosso do Sul, conhecido sítio pela abundância desses objetos. Estima-se que essas amostras de diamante profundo sejam originárias de uma profundeza entre 400 e 600 km abaixo na crosta terrestre. As dimensões típicas dos diamantes estudados aqui são da ordem de alguns milímetros.

Figura 5. Combinando as linhas de luz MOGNO e CARNAÚBA para o estudo de inclusões minerais em diamantes profundos. Esquerda: Tomografia realizada na linha MOGNO, mostrando o resultado de segmentação de algumas inclusões sólidas minerais. Direita: Imagem 2D do mapeamento por transmissão e por fluorescência de raios X, mostrando a composição química e uma das inclusões.

A amostra de diamante foi previamente estudada por tomografia de raios X de alta energia na linha de luz MOGNO para identificação de inclusões e de sua distribuição espacial (Figura 5, esquerda). Uma vez identificadas as inclusões, ou regiões de abundância de inclusões, é possível utilizar a estação TARUMÃ para fazer mapeamentos por transmissão e por fluorescência de raios X (Figura 5, direita) e identificar com mais detalhes a composição química e a morfologia dessas inclusões. Na projeção da imagem tomográfica coletada na linha MOGNO foi selecionada uma inclusão dentro do diamante com dimensões compatíveis com o campo de visão disponível na linha CARNAÚBA, ou seja, nesse caso entre 20 e 40 µm. A Figura 5, à direita, apresenta as imagens dessa inclusão sólida de aproximadamente 20 µm por contraste de atenuação (transmissão), onde o campo de visão total é de 50 µm x 50 µm, com passo de 500 nm. O contraste de fluorescência mostra que esse microcristal metálico é formado basicamente por átomos de ferro (Fe), níquel (Ni) e cobre (Cu). Algo muito inesperado em relação a essa mistura de elementos químicos é que o microcristal de Fe-Ni está recoberto por uma capa de cobre bastante não-homogênea.

Figura 6 - Tomografia por transmissão e por fluorescência de raios X na estação TARUMÃ da linha de luz CARNAÚBA.

Figura 6 – Tomografia por transmissão e por fluorescência de raios X na estação TARUMÃ da linha de luz CARNAÚBA.

Figura 7 - Projeção a partir da imagem tomográfica do microcristal de Fe-Ni.

Figura 7 – Projeção a partir da imagem tomográfica do microcristal de Fe-Ni.

As Figura 6 e 7 mostram as imagens tomográficas por transmissão e por fluorescência, respectivamente, realizadas através da aquisição de 150 projeções equivalentes àquela mostrada na Figura 5 e posterior reconstrução por tomografia computadorizada. A imagem demonstra claramente que, de fato, o microcristal de Fe-Ni (Fig.6) está recoberto por uma capa de cobre e que esse recobrimento depende claramente da face do cristal (Fig.7). Essa imagem de microcristal foi a primeira imagem tomográfica reconstruída na linha de luz CARNAÚBA.

Sistema criogênico para o estudo de amostras sensíveis a danos de radiação

A linha de luz CARNAÚBA permite o estudo de uma grande variedade de materiais, especialmente materiais de composição híbrida – orgânicos e inorgânicos – e biológicos. Esses materiais são em geral sensíveis às doses de radiação comumente necessária para os estudos, o que resulta em danos químicos e estruturais e, consequentemente, na alteração de suas propriedades. Por isso, esses experimentos só são possíveis para amostras resfriadas criogênicas e em atmosferas inertes para mitigar os efeitos da radiação.

Na TARUMÃ, para se adequar ao espaço altamente ocupado ao redor da amostra e à sua arquitetura de posicionamento, foi desenvolvido um sistema criogênico de atmosfera aberta baseado em um Cryojet comercial, um sistema de recuperação do gás e um suporte de amostra personalizado. Seguindo uma abordagem de engenharia preditiva, o sistema é capaz de condicionar a amostra até 150 K, evitando congelamento e condensação na instrumentação próxima e preservando os requisitos de posicionamento de nível nanométrico da estação.

Figura 8. Esquema (esquerda) e fotografia (direita) do sistema de criogência da estação TARUMÃ na linha de luz CARNAÚBA (Lena et al., MEDSI 2021, doi:10.18429/JACoW-MEDSI2020-WEPC02). A seta indica a região do gás N2 criogênico em torno da amostra.

O sistema foi instalado e comissionado na estação experimental, indicando que os distúrbios produzidos estão dentro dos parâmetros de projeto para a linha, ficando abaixo de 4 nm na horizontal e 7 nm na vertical. Os primeiros testes com amostras sensíveis de perovskitas híbridas orgânicas-inorgânicas demonstraram claramente a necessidade de resfriamento das amostras para aumentar a sua resiliência à radiação.

Dispositivo microfluídico selado com adesivo para medições analíticas in situ

Dispositivos microfluídicos operam com pequenas quantidades de amostras através de canais micrométricos. Como características principais, esses dispositivos apresentam tamanho reduzido, baixo peso e alto rendimento, ideais para uso em nanosondas. Essas características têm atraído muita atenção por parte da comunidade síncrotron interessada em instrumentação compatível para experimentos in situ, operando e in vivo.

Neste trabalho, recentemente publicado na revista Scientific Reports, a equipe da linha CARNAÚBA, em colaboração com o LNNano, apresentou a microfabricação e a caracterização de um dispositivo microfluídico multifuncional bem adequado para combinar técnicas analíticas de raios X. O dispositivo consiste em microcanais em vidro, onde três eletrodos de ouro são depositados nos canais, para servir à eletroquímica in situ, à análise ou às medições elétricas padrão, selados por um filme de poliester. O dispositivo demonstrou excelente resistência química a produtos orgânicos solventes, boa resistência às pressões, e sua eficiência na presença de amostras biológicas (proteínas) é notável. Ele foi caracterizado com luz síncrotron através do mapeamento 2D por fluorescência de raios X, tanto de seus componentes básicos, como o eletrodo de ouro (Au) e o filme de adesão de cromo (Cr), como através do resultado de uma reação eletroquímica envolvendo prata (Ag) e cloro (Cl) e a nucleação de nanopartículas de Ag no eletrodo de Au.

Figura 9. Experimentos de nanofluorescência no dispositivo microfluídico. (a) Esquema 3D do porta-amostras microfluídico. (b) Espectro de fluorescência coletado no eletrodo central. (c-d) Micrografia óptica do canal e eletrodos destacando o ROI (retângulo magenta) varrido por um nanofeixe de cerca de 600 nm x 600 nm. (e-f) Mapas de fluorescência Au-La (9713 eV) sobre o círculo 1 e 2 na borda do eletrodo. (g-h) Mapas Au (La) e Cr-Ka (5,4 keV) obtidos no círculo 3. Os experimentos foram realizados nos canais preenchidos com água. Os mapas nano-XRF têm um tamanho de pixel de 5 µm e um tempo de aquisição total de 65 segundos, com 22,5 ms por pixel ou etapa (I. Neckel et al., Scientific Reports, 2021).

Célula eletroquímica para o estudo in situ de materiais para (eletro)-catálise e baterias

Materiais para (eletro-)catálise e baterias desempenham um papel crucial no presente e no futuro de uma economia sustentável e limpa. Desvendar a sua estrutura e entender o seu funcionamento, principalmente quando na forma de nanomateriais, é um requisito básico para se obter materiais cada vez mais adaptados e eficientes.

Para tanto, a equipe da linha de luz CARNAÚBA está desenvolvendo uma célula para estudos in situ de eletroquímica da síntese desses materiais. Esta célula é compatível com experimentos de absorção de raios X no modo de fluorescência e experimentos de difração, explorando ou não a coerência da sonda. Uma técnica que será muito aplicada a sistemas de nanocristais é a de Bragg CDI, que fornece informações sobre o campo de deslocamento dos átomos na estrutura cristalina, que é diretamente relacionado à tensão.

A célula, mostrada na Figura 10, já foi montada e certificada do ponto de vista da eletroquímica em comparação com células convencionais de laboratório e será utilizada em breve em experimentos in situ do crescimento de nanocristais por via eletroquímica.

Figura 10. Esquema da célula eletroquímica montada na linha CARNAÚBA mostrando a geometria da medida e a estratégia para se obter, a partir da difração de Bragg coerente, o campo de deslocamentos dos átomos em nanopartículas (Vicente, Neckel, Fernandez et al., ACS Nano, 2021). Ao centro está mostrado o desenho da célula eletroquímica e à direita sua realização e montagem (Wilendorf et al., MEDSI 2021, doi:10.18429/JACoW-MEDSI2020-WEPC03).

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